Para os mais distraídos, Roger Waters veio a Portugal no início desta semana, com o seu "The Wall Live Tour", num concerto duplo que esgotou, com meses de avanço, o Pavilhão Atlântico. Sendo um ávido fã de Pink Floyd, nunca me perdoaria se enjeitasse a oportunidade de ver o ex-frontman da banda que marcou uma geração - e me marcou a mim, também.
Vou ser honesto. O meu amor por Pink Floyd não começou muito cedo - como poucas das coisas que me marcam hoje em dia. Havia umas músicas que me agradavam, mas era o só. Até que, em 2006, tomei contacto com um duplo CD chamado "The Wall"... e caiu-me o queixo, ao deparar-me, não com um conjunto de músicas que partilhavam o mesmo suporte físico sem terem nada em comum, mas sim com um monumento, em que se conta um conto, em que todas as músicas possuem um significado e adicionam mais uma peça no puzzle que é a história de Pink, a personagem central do álbum - e a história do próprio Roger Waters. Órfão de pai devido à II Guerra Mundial, criado por uma mãe algo protectora que procurou compensar a morte do pai, e tendo de lidar com a infidelidade da namorada, Waters teve, num incidente com um fã durante um concerto, a "faísca" que faltava para produzir uma das grandes obras musicais de sempre. Infelizmente, este álbum também provocaria a cisão interna dos membros do grupo, com Richard Wright a ser despedido e a ser um mero "músico contratado" durante a digressão que se seguiu ao lançamento. O álbum seguinte, "The Final Cut", já seria quase um "álbum a solo" de Waters.
De qualquer forma, foi este álbum que me fez tomar conhecimento, mais a fundo, do trabalho dos Pink Floyd. Acabei por coleccionar os álbuns todos, ouvir todas as músicas, investir em livros sobre a banda... e, mal soaram os primeiros zunzuns sobre a vinda de Roger Waters a Portugal, ainda por cima inserido na "The Wall Live", tive logo de reservar a minha presença nesse espectáculo. Os bilhetes para o primeiro concerto, se a memória não me falha, foram colocados à venda dia 1 de Junho - e não devem ter demorado mais de duas semanas a esgotarem. Só depois é que foi avançada a segunda data - e, se eu soubesse o que sei hoje, tinha comprado para esse dia também...
Tentar descrever o concerto é algo tão fútil como tentar descrever um pôr-do-sol. As palavras não conseguem fazer justiça à espectacularidade, aos efeitos visuais, às músicas. Viu-se um Roger Waters, do cimo dos seus 67 anos, ainda com muito do vigor que o caracterizou durante a juventude, a cantar para o público, a discursar na sua pele de ditador totalitarista. Viram-se os estandartes do partido ficcional "Hammer", empunhados pelos seus "seguidores". Viu-se um Stuka a voar sobre a audiência e a irromper em chamas sobre o palco. Viu-se a construção do muro, durante toda a primeira parte do concerto, e à sua destruição após a sentença final de "The Trial". Viu-se (ou melhor, ouviu-se) a monumental vaia quando Waters perguntou se deveria confiar no governo. Viram-se as animações de Gerald Scarfe, inconfundíveis e intemporais, reflectidas no muro. Viram-se diversas imagens de soldados e civis mortos pela guerra, reflectidos no muro durante o intervalo. Viram-se as famosas marionetas do Professor (em "The Happiest Days of Our Life" e "Another Brick In The Wall, part 2") e da Esposa (em "Don't Leave Me Now"), e o não menos reconhecido porco insuflável carregado de mensagens e símbolos políticos.Em suma, viu-se, não um concerto, mas uma epopeia. Uma ópera. E quando as luzes se acendem e os intervenientes aparecem (entre os quais se inclui o próprio filho de Waters), para agradecer ao caloroso público que não regateou palmas, damos por nós com pena de já se terem passado as cerca de 2h30 que dura o espectáculo.
Em suma, podia-se ter argumentado que o preço dos bilhetes era algo puxado (o mais barato era de 40€) - mas, para um espectáculo deste calibre, é dinheiro que é bem empregue. Não tenho grande experiência em concertos, tenho de o confessar, mas, sem qualquer sombra de dúvida, este concerto foi um dos pontos altos da minha vida. Ter o privilégio de poder assistir a "The Wall", 32 anos depois do álbum ter sido colocado à venda, para mim foi um privilégio e um orgulho. E digo mesmo mais: caso pudesse, iria a todos os concertos da digressão. Sem hesitar.
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